20 de agosto de 2011
Basta você entrar por cinco minutos num supermercado, frequentar uma festinha infantil ou passear por uma loja que venda roupas, celulares e afins para a garotada. Se não estiver fisicamente empenhado em refrear os impulsos autoritários de seu filho, perceberá com clareza que são eles que estão mandando no mundo. Não é por nada que a publicidade está se voltando assustadoramente para essa fatia de consumidores. As crianças tornaram-se, potencialmente, o maior mercado para novos produtos lançados. Isso já aos cinco, seis anos de idade. E ai do pai ou da mãe que se atrever a dizer não. Essa palavra foi definitivamente banida do vocabulário. Eles querem porque querem. De preferência tudo o que os seus olhos alcançam numa esfera de trezentos e sessenta graus. Mas há, nessa nova modalidade de relacionamento pais e filhos, algo muito mais preocupante: o medo. Uma pequena história para ilustrar. Jantava com um casal de amigos quando, em meio à refeição, toca o celular dele, que ouve em silêncio e fica pálido. Uma desgraça aconteceu, pensei, pois a expressão assustada traduzia o recebimento de uma notícia trágica. Mas nada disso. Era somente a filha dizendo que precisava imediatamente do carro, pois alguns colegas já estavam em sua casa, esperando para irem ao cinema. Até onde percebi, em nenhum momento essa voluntariosa criatura perguntou onde os pais se encontravam, será que, por favor, quando estivessem livres, poderiam emprestar o carro para que ela fosse ao shopping? Não, ela simplesmente deu uma ordem que, para meu espanto, foi cumprida imediatamente. Ficamos todos mudos. Não exagero, a reação foi mais do que imediata. Ambos pediram desculpas, mas não podiam deixar a adorada filhinha esperar nem um minuto a mais do que o previsto. Não se importaram em deixar a sobremesa intacta no prato, pois a determinação que receberam imperou sobre qualquer vontade pessoal.
Eu devo estar apresentando os primeiros sinais de senilidade, mesmo. Se fizesse isso quando guri, imaginando que naquela época existisse celular e que meus pais tivessem carro, tenho certeza que levaria uma reprimenda danada. Aliás, nem dariam bola para o meu pedido. Naqueles longínquos dias existia uma palavra que hoje está em completo desuso: autoridade. Eles me alimentavam, pagavam a escola, cuidavam da minha saúde. O mínimo que eu podia fazer, em retribuição, era obedecer, esperando a minha vez de ocupar o papel que por ora era deles. Eis outra palavra mágica: obediência. Cresci seguindo o que eles acreditavam ser melhor para mim e hoje não tenho nenhum trauma por isso. A pedagogia moderna preconiza que se deve dizer muito mais sim do que não. Mas se o resultado é o que se vê por aí, convenhamos, algo de muito errado está acontecendo.
Sozinho na mesa, depois que meus dois assustados amigos saíram em desabalada corrida, fiquei pensando na carinha de vitória da garota. E na certeza de que ela tinha de sempre conseguir o que quisesse na vida, simplesmente manifestando a sua vontade. De onde se pode deduzir que estamos virando reféns dos próprios filhos. As pobres e frágeis criaturas (tenham elas seis ou dezessete anos) não podem sofrer nenhum tipo de frustração, senão longos anos de divã as esperarão mais adiante. Não sou nenhum expert na área, mas a simples observação mostra que estamos perdendo a noção dos limites. Entramos no perigoso campo da destruição dos papéis sociais. Transformar filhos em amigos é correr o maior dos riscos. Mais tarde, bem mais tarde, dá para fazer isso. Mas não agora, antes de se tornaram adultos. Sentir-se prisioneiro de quem ainda está tateando dentro das próprias descobertas é abdicar do mais fundamental dos papéis, o do educador. Aquele que, com sua experiência e presumível capacidade, vai apontar o melhor caminho, ou evitar que eles se machuquem precoce e desnecessariamente.
O que teria acontecido se eles tivessem dito que emprestariam o carro, sem problema, mas que ela esperasse até eles terminarem a refeição? Bem, é melhor nem pensar nisso. Adolescentes, e mesmo crianças, só conhecem uma realidade: a sua. Perdoem generalizar, mas a proliferação desses casos nos alerta para uma situação calamitosa. Não é preciso ressuscitar o uso do chicote. Mas vale lembrar a cada um, sempre, que a monarquia acabou em nosso país. Eles podem querer ser reis entre seus pares, mas nunca com aqueles que lhes garantem o sustento e o desenvolvimento da própria vida. Não deveria existir alguma legislação para isso?
Acho que muitos pais esqueceram que os filhos, para serem adultos felizes e pessoas de bem, precisam hoje, enquanto crianças e adolescentes, de limites!!